Sou fascinada por histórias. Se elas são reais então, conseguem ser mais fascinantes ainda. Até alguns filmes quando baseados em fatos reais, são mais interessantes.
A verdade é que as histórias, quando bem contadas, despertam em nós muitas emoções, nos comovem, nos fazem refletir e sorrir.
E hoje talvez eu não consiga despertar em você alguma dessas emoções, mas posso lhe assegurar que você vai gostar de conhecer essa história que vou relatar, história essa que mudou a vida de uma porção de gente, inclusive a minha.
Então vamos lá...
Todo mundo tem um exemplo a seguir, uma referência, um ícone em quem se espelhar às vezes. Pode ser alguém próximo, ou não; pode ser que seja uma personalidade da mídia, um autor ou até mesmo um personagem de algum livro. Não importa quem seja ou como seja a sua referência, mas é bom ter alguém para aprender com seus exemplos.
A história que vou contar é em dose dupla. Sim, gêmeos com uma história nada mais ou nada menos que incrível. São eles Santão e Santino, meu pai e tio-pai, nesta ordem.
A história se deu em 1946 no sertão Nordestino. Era dia 1º de maio, dia do trabalhador, e Deus presenteou aquele sertão com duas crianças com garra de trabalhadores.
Maria Matilde dá a luz a crianças idênticas, univitelinas, muito miúdas e sem perspectiva alguma de vida ou de um futuro, devido às condições que aquela família vivia, na época. O cenário era Patu/RN, mais tarde seguiriam para o Ceará para só então depois fincarem as raízes no sertão Paraibano.
Foi lá que eles cresceram e viveram tempos de privação, dor e muito, mas muito trabalho mesmo.
Talvez a ideia de privação que você tenha seja algo relacionado ao que comer, o que não deixa de ser real, mas as privações que aqui vou relatar, vão muito além de uma refeição.
O velho Miro e Maria Matilde, sertanejos pioneiros, nunca permitiram que o trivial faltasse no prato, porém, mordomia e fartura não eram uma realidade para aquela família. Além de Santão e Santino, haviam até então 4 crianças mais velhas, e uma delas com apenas 1 aninho de vida. Facilidade não era uma palavra muito compreendida por eles, e não seria diferente para Santão e Santino.
Eles cresceram com saúde e muita disposição. Eram crianças alegres e cheias de energia, até demais para as histórias que já ouvi. Santão chamava Santino de "RimRim" e este, por sua vez, chamava Santão de "NãNãe", e ambos viviam numa sintonia impressionante; não saíam de perto um do outro a não ser que o velho Miro levasse um deles, e apenas um, para acompanhá-lo na cidade em alguma compra, o que era um programa divertidíssimo para as crianças. Porém, o que ficava em casa, chorava de forma inconsolável.
O fato que vou relatar, acredite, não está carregado de uma só vogal de exagero. As grandes indústrias de calçados deveriam ter conhecimento desse fato:
Com apenas 3 anos de idade, Santão e Santino nunca haviam possuído um par de chinelos. Chinelos mesmo, desses que chamamos de "As legítimas", "chicão", enfim... Certo dia, o velho Miro encontrou em algum lugar um ótimo achado, uma espécie de pedaço de couro semelhante a um "solado" de calçado, e acredite, ele recortou-o no formato de chinelos dos pés de Santão e Santino e colocou nelas "correias", os chamados currulepes. Mas o inesperado aconteceu, ao invés de 4 sandálias, ou seja, 2 pares, o couro só deu para fazer 3. Um deles ficou com apenas um dos pés calçado, e com toda a alegria e satisfação do mundo ao olhar fixamente só para aquele pé calçado, o único, como fazemos quando colocamos sapatos novos, aqueles que desejamos muito, permaneceu alegre.
Realidade difícil, principalmente para duas crianças tão pequenas que viviam em meio a tanta dificuldade. Com um detalhe importante: eram felizes.
O propósito do relato não é despertar em ninguém nenhum tipo de sentimento do tipo "Poxa, que triste!", "Tadinhos deles" ou "Pobrezinhos!", não. Se há um propósito é de mostrar que um grande exemplo de vida é possível sim, mesmo quando as condições, o meio e a sociedade ditam o contrário.
Esses exemplos bastaram? Ainda não, tenho outros.
Santão e Santino cresceram, brincaram, sorriram, choraram, sofreram privações mas foram muito felizes. No decorrer dos anos deixaram a casa dos pais e partiram para construir suas próprias famílias, perderam seus pais, o irmão mais velho, cunhado. Passaram alguns outros anos, perderam outro irmão amado, um cunhado/irmão e por aí seguem suas vidas, demonstrando bravura mesmo em meio à dor.
Hoje, eles se emocionam com facilidade ao ver seus filhos traçando caminhos vitoriosos, de conquistas e determinados a irem além. Seus netos? Crescendo cercados de mimos, presentes, estudos, calçados de inúmeros tipos, cores e modelos, munidos de tecnologias e por aí vai. Se orgulham principalmente ao lembrar que foram vestir a primeira roupa aos 9 anos de idade, e antes disso, andavam nus, ou mal vestidos.
Santão e Santino tiveram tudo, absolutamente tudo pra ter um futuro triste. 69 anos depois eles não têm formação universitária, nenhum diploma foi emoldurado e pendurado em uma parede bonita, uma carreira de sucesso não foi conquistada, nenhuma grande herança material acumulada e nenhum testamento assinado diante de um tabelião, mas tudo isso foi trocado por uma história que tem rendido muito orgulho e um espelho sensacional para o futuro de muitas famílias.
É com todo amor e orgulho que apresento a vocês, nos seus 69 anos, grande parte de mim: Santão e Santino!