quinta-feira, 16 de abril de 2020



27 dias tentando fazer o que, em 38 anos, nunca imaginei que fosse vir a ser necessário: um isolamento social.
Como se já não bastasse tal surpresa, ele ainda precisa e tem a urgência de ser eficiente. Para se manter V-I-V-O. Simples e chocante assim.
27 dias de um verdadeiro fuzilamento de hábitos, costumes e do conformismo. 
Enquanto as pessoas levam quase que toda uma vida para mudar hábitos, estabelecer metas ou simplesmente focar em um objetivo, de repente, fomos levados a fazer "tudo isso", mesmo que só internamente, do dia para a noite. 
Tudo começou com uma onda gradual de notícias vindas lá das bandas do oriente, de um certo vírus que mexeu com todo um país. Mas mexeu bem mexido, nas relações, nos costumes, em questões sociais, morais e, lógico, na economia também.
Nossas festas de final de ano e nossas projeções para 2020 deixaram bem lá no oriente essa ameaça. Não, isso está longe de chegar até nós, nem de longe queríamos conhecer sequer a nomenclatura que esse vírus porventura viesse a ganhar. 
Mas ele chegou. Não se sabe ainda se nas visitas dos amigos e parentes que vieram do exterior ainda nas nossas festividades natalinas; se com o colega de trabalho que chegou de uma missão internacional; se o estudante que terminou seu mestrado fora, e regressou ao seu país, à sua família e amigos para o réveillon; também não se sabe se o casal que foi passar lua de mel longe, trouxe em sua bagagem algo invisível; nada se sabe, ainda, a respeito.
Quem sabe o turista estrangeiro tão atraído pelo Brasil e seus encantos, veio conhecer o carnaval, conhecido internacionalmente como uma das maiores festa da cultura brasileira. Não se sabe. 
Nada se sabe, ainda. Também nem sei se a essas alturas importa saber. 
Há uma urgência em simplesmente saber do hoje, projetando com muita ansiedade um amanhã. 
De repente nos vimos diante do emblemático "e se", que nunca nos aterrorizou tanto. E se isso demorar a passar? E se o emprego faltar? E se não houver comida nos supermercados? E se eu tiver que ir a um hospital? E se eu perder alguém próximo? E se for maior do que realmente imagino que seja? E se...
Como pode algo invisível trazer tantas incertezas em meio a pessoas de tão diferentes realidades? De repente o medo igualou todo mundo: o rico, o pobre, o empregado, o empregador, o cidadão, o legislador, o executivo, o jurista, o letrado, o analfabeto, o vendedor ambulante, o servidor público, o atendente, o gerente, o professor, o aluno, a mãe, o pai, o filho, o neto, os avós, o padre, o pastor, o rabino, o pai ou mãe de santo, o jovem, a criança, o idoso, o médico, o enfermeiro, o paciente em tratamento de uma doença crônica, e por aí vai. O medo, que dá espaço às incertezas e uma infinidade de questionamentos de um possível amanhã. 
De repente nos vimos quase todos em casa. Alguns puderam fazer um trabalho remoto e (sem que tivessem ideia) tiveram que reinventar uma dinâmica para trabalhar, cuidar da casa, dos filhos ou dos seus idosos, ou de si mesmo, cozinhar e cuidar de si, em menos de 24 horas. Uma jornada mais trabalhosa e mais cansativa, pois, muitas vezes o medo mina as forças. 
Outros não tiveram o privilégio de ficar em casa, e, a jornada ficou muito mais pesada do que a habitual, pois, ao sair de casa, uma bagagem de quase 50 quilos (ou mais) foi acrescida às costas. Bagagem do medo, da incerteza, e de uma série de cuidados a serem adotados, para voltar para casa saudável. 
Dos que não tiveram o privilégio de ficar em casa, estão aqueles trabalhadores informais que precisam trazer comida à mesa, o funcionário dos comércios que não podiam fechar, os policiais, os agentes dos departamentos de trânsito, os médicos veterinários que precisam estar à disposição dos nossos bichinhos em caso de emergência (e eu precisei muito deles), os profissionais da saúde que não podem se dar ao luxo de parar em nenhuma circunstância. Todos com o peso do trabalho, multiplicado por aquela bagagem do medo que falei ali atrás.
Nos encontramos em um mar de incertezas. 
Junto com tudo isso, como se fosse pouco, bateu um arrependimento de tantas desculpas dadas para não sair com os amigos; o questionamento das razões que nos fizeram não estar perto dos familiares e amigos que hoje nos fazem falta; da caminhada que poderia ter sido feita com frequência; da matrícula na academia para cuidar do corpo e da saúde; a terapia que ficou pra outra hora; aquele ida à igreja que ficou para depois; aquele abraço que ficou lá atrás;
Não saberemos quanto tempo ficaremos sem poder voltar à normalidade, e eu francamente acho que não é tão perto (embora não seja pessimista). Mas não é tempo de focar nesses arrependimentos, afinal, não tínhamos noção da força desse vírus improvável, até um dia desses. 
O tempo é de reflexão, e de uma reflexão bem profunda que nos faça admitir, de uma vez e para sempre, que nada está no nosso controle. NADA. Há alguns meses nos sentíamos orgulhosos de ter o controle de nossas vidas, nossas horas, nossas expectativas, e de repente, tudo isso nos foi tirado por uma ameaça invisível. 
No tempo que estamos vivendo, pode-se e deve-se negar muitas coisas, entre elas presença, um beijo, o aconchego de um abraço, um bate-papo em uma mesa de um restaurante, dar as mãos em uma oração nas dependências de uma igreja, momentos em uma sala de aula, ou aquele famoso happy hour depois do expediente com os colegas do trabalho. Mas há algo que não podemos negar de jeito nenhum, que é uma grande mudança no nosso interior. Impossível estar passando por tudo isso e não mudar algumas convicções lá dentro, na cabeça e no coração. 
O distanciamento de pessoas do nosso convívio, em alguns casos, nos dão uma saudade imensa, uma vontade de voltar a ver, abraçar, beijar e levar horas de uma boa conversa regada a boas risadas; algumas que não dávamos a devida atenção, bate até aquela vontade de retratação e voltar com um contato mais intenso, quando possível; já de outras não sentimos falta alguma. Seria a hora de rever nosso ciclo de relacionamentos? Será a hora de rever nossa escala de prioridades nas nossas relações?
Embora as horas tenham se tornado insuficientes para tantas tarefas durante esse semi-confinamento (trabalho remoto, cuidar da casa, de  nós mesmos e da família, cozinhar, organizar as coisas, fazer atividades física em pouco espaço), tudo isso demanda muito do nosso tempo. Porém, há dias em que não dá vontade de nada, além do estritamente necessário. O sofá ou a cama nos abraçam e nada nos faz levantar. É compreensível, embora nem todos tenham esse privilégio. Mas esse ócio, mesmo que momentâneo, nos faz navegar pelas redes e ver, ler e observar o comportamento de muitos dos que convivem, direta e indiretamente, conosco. Não sei para vocês, mas essa experiência foi assustadora pra mim.
Obviamente que todos nós temos divergências de opiniões e até mesmo de maneiras da criação que tivemos, o que é saudável nas relações. Imagine só a chatice de conviver com pessoas exatamente iguais a nós (quando às vezes nem eu mesma me aguento)? As diferenças são importantes e devem ser respeitadas, porém, não a ponto de ferir um ao outro. Sigo aprendendo isso, pois é um aprendizado intensamente diário. Mas, mesmo respeitando, essa é a hora de determinar quem você quer ou não no seu convívio quando a vida começar a voltar ao normal (mesmo que o normal não volte a ter o mesmo significado). 
Uma coisa é certa diante desse turbilhão de incertezas: NINGUÉM SERÁ O MESMO, lá na frente.
Quem diria que ficaríamos tantos dias sem abraçar quem amamos? Sem cumprimentar com um beijo uma pessoa que temos afeto? Sem fazer uma festinha surpresa de aniversário? Não seremos mais os mesmos. E isso é certo.
Colocaremos intensidade nas nossas certezas, e aliviaremos o peso diante das nossas incertezas.
É tempo de reflexão.
É tempo de rever as prioridades.
É tempo de afastar, para que, lá na frente, as aproximações sejam demasiadamente verdadeiras.
Sim, a distância pode sim elucidar nossos sentimentos e conexões com as pessoas. 
Não sei quando tudo isso vai passar, mas eu já estou firme no processo de reflexão, com a certeza de que "só depois que deixamos a cidade, é que vemos a que altura estão as torres...". Esse trecho da música da banda Catedral nos ensina que é estando longe que conseguimos enxergar o que, de perto, não temos a dimensão. 
Eu sei que não é fácil estar só. Estar longe. Estar ansioso. Estar depressivo. Estar sobrecarregado. Estar no ócio. Estar com saudade. Estar com vontade. Eu sei que não é fácil não conseguir ser produtivo. Eu sei que não é fácil bloquear o processo criativo. Eu sei que não é fácil não conseguir se movimentar. Eu sei que não é fácil sentir demais. E está tudo bem.
Cada um sabe de si. Vale chorar, gritar, xingar, orar, refletir. Vale o que você se sentir à vontade de fazer. 
Não se cobre tanto, e está tudo bem. 
Aos que podem, fiquem em casa! Isso tudo vai nos tornar melhores.

Soninha Nobre

domingo, 17 de fevereiro de 2019

NÃO DESCARTE PESSOAS



Final do ano passado foi uma péssima hora para deixar a Marie Kondo entrar na minha vida. Bastou maratonar 1 temporada inteira em pouco mais de 1 dia, durante o recesso de final de ano, que as coisas nunca mais foram as mesmas. Qualquer baguncinha à vista e a organização começava. E tem sido assim. Sem neurose ou exagero, segui mantendo algumas coisas organizadas, e tentando fazer com que as pessoas à minha volta também mantivessem essa linha de organização, para que a rotina seguisse menos cansativa. Acontece que em uma dessas organizações, dei uma geral no meu guarda-roupas e separei várias peças que não me serviam mais. Foram 2 sacolas cheias. 2 sacolas cheias de roupas para o descarte. Cada uma delas me trazia uma lembrança, seja de onde vieram, de ocasiões que me marcaram, e do afeto envolvida naquela peça. A organização chegou ao fim, e durante alguns minutos de descanso, bastou algumas “voltas” pelo Instagram percebi que, da forma como descartei algumas roupas que não me serviam mais, algumas pessoas descartam pessoas, e pela mesma razão. As relações humanas tem em si um requinte de crueldade, a partir do momento que começa-se a tratar pessoas como objetos, como roupas, por exemplo. Será que ao descartar pessoas, as outras costumam pensar nos momentos que essas as fizeram viver? Pelos momentos bons, marcantes, ou até mesmo pelo tempo em que usá-las, lhes serviu? Já pararam para pensar nisso? É um pouco assustador. Nas relações profissionais, nas amizades e até mesmo nos amores. Quão estranho é simplesmente descartar alguém. Não se aplica àqueles casos em que pessoas se afastam naturalmente, seja pelas circunstâncias comuns em que caminhos distintos sejam traçados (uma nova oportunidade de emprego, uma mudança geográfica, um afastamento natural). O descarte é cruel. É acordar e simplesmente se dar conta de que não serve mais para aquela outra pessoa, ou aquele meio; é perceber que as relações eram pautadas apenas no benefício que poderia proporcionar, benefícios esses que você, inocentemente, nunca havia levado em consideração; é, pior, se dar conta de que o conceito de relacionamento que temos está longe da realidade dos muitos com que mantínhamos algum vínculo.


O descarte é, mais uma vez, cruel.

Com roupas, livros, brinquedos ou objetos, o natural é que se passe adiante para que outras pessoas possam fazer bom uso delas. A regra é: o que não me serve mais, estando em boa condição de uso, pode servir a outras pessoas. Mas, o que as pessoas fazem com as pessoas que elas descartam? Passam adiante para serem usadas por outras? Não. Elas as jogam fora. E essas, encontrando-se nesse “fora” em que são jogadas, decidem como prosseguir, se sofrem pelo descarte, ou se querem recomeçar, seguindo acreditando que atitudes como essas não são regras, e sim, ações de pessoas que não merecem ter o que elas têm de melhor a oferecer, seu coração.

Meu conselho a você hoje é: se for decidir entrar na onda da Marie Kondo, e dar uma “geral” na sua vida, descartando o que não te serve mais, decida fazer isso com os sentimentos que não te fazem bem, com as lembranças ruins e com os hábitos que não trazem alegria ao seu coração. Mas, em hipótese alguma descarte pessoas. A não ser que essas façam despertar o que de pior há dentro de você (pois cada um de nós temos sim algo ruim), ou te tratem da forma que você não merece ou não permitam que você seja feliz. Essas pessoas, pode sim descartar, desde que elas saibam o porque de estarem sendo descartadas da sua vida. Mas, caso contrário, não descarte pessoas. Elas não são objetos. Elas não estão na sua vida para serem usadas. Se você tem um amigo querido que tem um dom especial ou uma habilidade, que maravilha, que sorte a sua! Mas se você tem um amigo querido que não tem habilidade nenhuma, que não sabe fazer nada além de dar umas boas risadas e te acompanhar naquela taça de vinho, que maravilha, que sorte a sua também! Ambas, com algo a oferecer, ou não, tem um coração. Pense nele antes de tratá-lo como objeto!

Boa sorte na organização de suas gavetas, da sua estante de livros, no baú de brinquedos, no seu guarda roupas ou na sua vida! Descarte sim os objetos. E quanto às pessoas? Trate-as como você gostaria de ser tratado.

Beeejo