quarta-feira, 14 de março de 2018

30 dias longe da tela


O título soa como um filme. E a protagonista, fui eu. Sou eu.

Em um mundo cada vez mais conectado, é quase impossível viver longe das telas. No meu caso, a tela foi a do meu aparelho celular. Desastrada por natureza, não é novidade para ninguém que a a minha tela estivesse sempre trincada (daqui adiante não direi mais que é a do celular, portanto, lembre-se disso nas próximas citações). Não só ela, a tela, mas minhas pernas e braços são provas vivas dessa natureza destrambelhada, sempre com manchas roxas. Mas, certo dia, me superei. A tela já trincada espatifou-se, escangalhou-se, estropiou-se, e todas as outras formas que possibilitassem sua sobrevida. Já era. Já foi. Deu seu ultimo suspiro e me deixou à mercê de uma vida longe da tecnologia que ele me proporcionava, e à mercê também da ausência de uma comunicação que hoje, infelizmente, podemos constatar que não subsiste sem as telas.

Sabe como sei disso? Estou 30 dias longe da tela, bem assim, como se vive longe do sol, embora eu nunca tenha experimentado.

​Os primeiros dias foram os piores, especialmente se as pessoas concentra toda a sua vida em um aparelho só. Despertador, ​relógio, calendário, bloco de anotações, tarefas diárias ou mensais; e os aniversários que só as redes sociais nos lembram? Agenda telefônica foi um dos piores: me dei conta de que eu não sabia de cabeça nem mesmo os números daquelas pessoas com quem eu falava diariamente. E o que falar daqueles aplicativos que nos lembram de beber água, de quantos quilômetros precisamos correr, o percurso a fazer, como localizar um endereço, e como chamar o uber? Sem falar das transações bancárias, todas feitas pelo app do banco. Ah, tem mais, e acredite: até calendário de menstruação. (OMG!) Tem uma lista imensa de app's que facilitavam e dificultavam a vida, sem mencionar a playlist do Spotify, essa falta é a única que faz o coração doer.

Sim, os primeiros dias são os piores. Como acordar 5:50 todos os dias sem um despertador? Como saber o horário certo que passa o ônibus para ir ao trabalho? E, quando algo de errado acontecer? (um ônibus quebrado, um congestionamento sem fim, que seja) Como posso avisar alguém? Eis aí umas das maiores dificuldades.

A lista pode crescer ainda mais. E a pressa para consertar a tela e voltar à comunicação eficaz pode crescer também.

Segundo dia longe da tela e recebo pelo correio um livro, não foi inesperado pois já sabia que ele chegaria, mas inesperado foi o que veio a seguir. Como apaixonada por livros, e por leitura, me dei conta de que eu tinha muitos livros que não tinha lido ainda, mas isso vai ficar para depois, pretendo falar desse, em especial, que chegou pelos correios. Como Cristã, convertida diariamente, sigo guiada pelas Escrituras Sagradas, incontestavelmente. Mas Leila Ferreira precisa saber que, o mesmo efeito que a Bíblia tem sobre minha vida diária, seu livro "A Arte de ser leve" tem feito, também. Mas o teor do livro também vai ficar para outra oportunidade, mas foi, devorando as páginas desse livro no escasso tempo que me resta (sim, dentro do ônibus no percurso de ida e volta para o trabalho) que pude me lembrar do quão importante é dedicar tempo às coisas que vamos deixando de lado, como, por exemplo, conversar pessoalmente com as pessoas, ler um bom livro, observar as pessoas à nossa volta sem ter que interromper para ver algo no celular (só hoje posso ver o quanto isso é desagradável e o quanto fazia isso) e tantas outras coisas que as telas nos impossibilitam. A verdade é que elas não tem poder sobre nós, se nós a controlarmos, embora seja aí que esteja o problema. Nós não a controlamos.

A vida sofre uma relatividade grande, em tudo, acredite. Depender de transporte público para uns pode ser um castigo, uma penitência, um horror; para mim, acredite, me salvou. Mesmo que muitas vezes de pé e sem que alguém fosse gentil, pedindo para segurar a minha bolsa pesada, pude ler, pensar na vida, planejar (na mente mesmo) o meu dia, e refletir (sim, é possível refletir em um ônibus cheio). Acredite, voltei a usar aquela velha caderneta para anotar frases, afazeres, números de contas, e por aí vão...

Foram mais alguns dias longe da tela, e fechei a conta de 6 livros lidos. 5 deles já estavam na estante (no meu caso, um rack) há anos. E o que dizer dos momentos com amigos e família, que aproveitamos muito mais quando não paramos para registrar com fotografias? Sem falar da necessidade absurdamente desenfreada de, além de registrar, postar nas redes sociais? (NÃO É UMA CRÍTICA, FAÇO ISSO COM FREQUÊNCIA, NÃO MUITA, MAS FAÇO)

Como é possível um simples aparelho nos limitar tanto? A tecnologia é, sem dúvida alguma, maravilhosa em muitos aspectos, mas pode ser também uma ruína. Não sei como pude permitir estar longe de tantas coisas que me deram tanto prazer no passado, substituindo-as por tanta superficialidade? Não, não abri mão da tecnologia nem é uma crítica a quem não vive sem ela. Mais cedo ou mais tarde me renderei à ela novamente, mas na certeza de que ela não mais me controlará.

É uma desintoxicação, descompilação, descomplicação.

Além de todas as lições que tirei de tudo isso, uma foi especial, pois me lembrou o que o meu avô dizia com frequência: faz mais quem quer, do que quem pode! E pude constatar isso em muitas coisas. Meus amigos que fizeram sinais de fumaça para me encontrar (e encontraram), seja por e-mail, descobrindo o telefone do meu trabalho, dos que apareceram na minha casa; mas também tive que me virar para conseguir fazer contato com uns, e para isso, muitas vezes, usei minha irmã como ponte para que ela me atualizasse de alguns números, que enviasse algumas mensagens, e funcionou. Realmente, aquela verdade que meu avô sempre nos lembrava: fazemos mais quando queremos, do que quando e como podemos.

Ainda não consertei minha tela. Além de seguir longe dela, sem aparelho, sigo resgatando alguns hábitos há tempos perdidos. Voltei a usar relógio de pulso que há anos havia abandonado (mesmo tendo que usar o da minha mãe, frouxo mesmo, pois perdi a conta de quantos anos não compro um); leio com mais frequência, observo mais as pessoas, converso mais, voltei a ver mais filmes e séries (embora isso não seja novidade), e outras coisinhas mais.

A grande novidade é que perdi o contato com muita gente, muita mesmo, embora há pouco tempo desconectada. Mas o melhor de tudo isso, é que não me sinto sozinha. Tenho a cada dia convivido com uma das pessoas mais importantes da minha vida, eu mesma. Tenho viajado a lugares aonde não ia há muito tempo, dentro de mim. E quer saber? Estava com saudades. A convivência tem sido muito proveitosa e tenho resgatado particularidades muito especiais.

Se me perguntares hoje quando estarei novamente de volta à esse ritmo frenético das telas, te digo com precisão: não sei. Pode ser amanhã, talvez no final de semana, ou quem sabe ano que vem.

Essa experiência, longe das telas, é o que eu desejo a todos vocês, mesmo que sejam por poucas horas, longos dias ou a vida inteira.

Beeejo.

P.s: Não foram 30 dias, ainda, um pouco menos. Mas, mesmo usando relógio de pulso, às vezes perdemos noção do tempo que temos.